Nem de mais, nem de menos: o medo é bom na medida certa

Colunas Maria Cristina Ramos Britto

Boca seca, coração acelerado, dor no peito, tontura, falta de ar, muitas pessoas vão parar no pronto-socorro com esses sintomas, achando que estão prestes a sofrer um ataque cardíaco. E, para seu grande alívio, descobrem que o que estão tendo é uma crise de ansiedade. Voltam para suas casas e seus trabalhos, não pensam mais no assunto, até terem outra crise, e perceberem que, nos últimos tempos, vivem com medo de algo que não conseguem definir, uma sensação de ameaça iminente, preocupados com o futuro, com dificuldade de concentração, dormindo mal (ou tendo insônia), bebendo mais do que de costume e comendo mal.

Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a ansiedade está aumentando, no mundo todo, com rapidez, e isso tem piorado desde a pandemia da Covid-19. O coronavírus provocou em nós o medo de um inimigo invisível a olho nu, do qual não temos controle, e que nos infecta sem percebermos. E esse já é um motivo suficiente para desencadear ansiedade, em diferentes graus, dependendo da pessoa e de sua capacidade de reagir à situação. Esse medo do desconhecido e do imprevisível é a emoção mais antiga que conhecemos. E nós a herdamos de nossos ancestrais, que precisaram desenvolver atenção e a capacidade de se antecipar às dificuldades, em um mudo pouco conhecido e cheio de imprevistos.

O medo tem uma função evolutiva importante, basta lembrar que ele salvou nossa espécie da extinção, no tempo em que precisávamos escapar de predadores e enfrentar a escassez de recursos. Podemos concluir que o medo é instintivo e necessário, mas isso vai depender da situação. O homem primitivo, que não se preocupou com aquele barulho estranho na folhagem, muito provavelmente não deixou descendentes. E os que sobreviveram nos transmitiram o medo de cobras e de comida com gosto estranho, por exemplo. Mas o medo de cobras só faz sentido quando andamos por uma mata. E não temos mais o hábito de provar frutos que não conhecemos, a menos que nos assegurem que eles não são venenosos. Muitos problemas são mais fáceis de resolver, para nós, hoje.

Se alguns dos temores experimentados por nossos longínquos antepassados continuam a existir, como o medo da escassez, a eles se juntaram outros. Napoleon Hill, já na década de 1930, mapeou o que ele definiu como os seis medos básicos da humanidade: medo da pobreza, medo da velhice, medo da crítica, medo da perda de um amor, medo da doença e medo da morte. Cada um desses medos tanto pode se desdobrar em outros quanto reforçá-los, e surgem em fases diferentes da vida, às vezes, permanecendo latentes por muito tempo. O medo da crítica pode ter origem na infância; o medo da pobreza pode surgir em épocas de crise econômica e demissões; o medo da perda de um amor pode estar relacionado ao temor da solidão; e o medo da velhice pode estar ligado aos medos da doença e da morte.

Mas se o medo é uma emoção que nos protege e garante a nossa sobrevivência, por que a ansiedade nos causa tantos prejuízos? Porque se o medo se refere a uma situação definida e a um perigo real, a ansiedade decorre de uma suposta ameaça, de um risco imaginado, que nos assombra sem que haja evidências de que algo ruim vai acontecer num futuro próximo. Faz sentido nos preocuparmos em olhar para os dois lados ao atravessar uma rua, em não andar por locais desertos à noite, em estudar para uma prova ou nos preparar para uma entrevista, em não comer algo que não conhecemos ou ignoramos a procedência, e até em evitar pessoas que nos causam uma emoção desagradável. Mas se trancar em casa pela sensação de que o mundo é cheio de perigos, não fazer a prova ou não ir à entrevista por ter certeza de que vai falhar ou evitar qualquer relacionamento são comportamentos desadaptativos que sinalizam um medo irracional.

E como o medo necessário se transforma em ansiedade? Isso acontece pela forma como lidamos com os problemas e com as mudanças em nossas vidas. Nossa forma de pensar (esquemas, crenças); nossas expectativas; nosso consumismo; nossa busca pela felicidade de anúncio de margarina e a frustração que vem daí; nossa procura por respostas prontas em livros de autoajuda; nossa falta de descanso, de tranquilidade, de tempo para relaxar, de autocuidado, com as mudanças saudáveis sendo sempre adiadas; nossa pressa em querer tudo para ontem; e nossa dependência do mundo virtual, que nos priva de interações reais prazerosas e necessárias.

Se não devemos evitar o medo útil, podemos nos manter alertas e diminuir a ansiedade, que traz sofrimento desnecessário e nos priva de muitas coisas boas, começando por deixar de acreditar em tudo que as propagandas e a cultura tentam nos vender como ideal: de felicidade, de relacionamentos, de beleza (os padrões estéticos inalcançáveis), cuidando de nossa autoestima e adotando hábitos saudáveis, com pequenas mudanças na rotina. E fazendo terapia.

Maria Cristina Ramos Britto
Psicóloga clínica; especialista em terapia cognitivo-comportamental (TCC); formação em terapia do esquema. 
CRP: 05/347533

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