Eu ia pensar em um título legal para o artigo sobre TDAH, mas me distraí…

Colunas Marco Andre Mezzasalma Psiquiatria TDAH

Seu filho lhe pede uma bateria de presente. Você compra o equipamento, ele treina de forma intensiva, até que parece dominar o instrumento. Aí… perde o interesse completamente, e diz que quer pintar miniaturas…

Já seu vizinho conta que várias vezes pede um favor ao filho, como pegar um copo de água, e, ao voltar da cozinha, o vê sem nada nas mãos. Pergunta, então, se o filho não se esqueceu de nada, e o garoto responde que não.

Embora com manifestações diferentes, as duas histórias acima podem apontar para um mesmo diagnóstico clínico: Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH, ADHD, em inglês). No primeiro caso, um dos sintomas seria o que se conhece como “novelty seeking”, ou “busca por novidades”; no caso do copo d’água, o transtorno se manifesta sob a forma de desatenção.

Como em quase todos os transtornos psiquiátricos, o sofrimento ou prejuízo individual significativo causado pela exarcebação de aspectos “normais”, como a distratibilidade, é que o torna patológico. Uma das principais características do TDAH na forma desatenta é a dificuldade de se manter o foco de atenção sustentada ao longo do tempo, o que torna comum suas primeiras manifestações serem detectadas na escola. Já a forma hiperativa se caracteriza principalmente por inquietude psicomotora e a dificuldade em ficar muito tempo na mesma posição ou fazendo a mesma atividade. 

O paciente com déficit de atenção apresenta uma dificuldade na fixação de conteúdos novos, não por um prejuízo da memória, mas da atenção. Seu problema não está em lembrar daquilo que já conhece, mas exatamente em assimilar as novidades. Um bom exemplo é quando estamos assistindo a um filme ou série, e atendemos o celular em uma ligação importante, “perdendo” o conteúdo assistido.

Neste caso, como na desatenção do TDAH, não vamos ter memória daquilo que não “assistimos” ou vivenciamos. Em outros casos, a irrequietude deixa a criança ativa e falante demais, o que costuma levar a escola a chamar os pais para uma conversa.

O primeiro passo para se chegar a um diagnóstico é a avaliação clínica. Muitos defendem que seja a Testagem Neuropsicológica, que vai documentar que domínios estão comprometidos, e comparar os resultados alcançados com os de outras crianças (ou adultos) sem o transtorno.

A partir desta documentação das alterações, é possível identificar onde focar no tratamento – psicoterapia (especialmente a Terapia Cognitivo Comportamental), fonoaudiologia, psicopedagogia, entre outros. Quanto à medicação, costumamos prescrever anfetaminas, como Metilfenidato, que corrigem o desequilíbrio no lobo frontal representado pelo TDAH. Mas o passo mais importante é o diagnóstico clínico para eliminar diagnósticos diferenciais importantes, como transtornos de ansiedade ou transtorno afetivo opilar.

Doutor Google

A popularização do TDAH e a disseminação de informações sobre o transtorno levam muitos adultos a me procurar com um “diagnóstico” fechado: “Doutor, pesquisei no Google e descobri que tenho TDAH, provavelmente desde criança”. Nestes casos, o diagnóstico diferencial é ainda mais importante.

Já acompanhei um médico que me procurou com diagnóstico fechado, pedindo-me a prescrição de anfetaminas. Após avaliação cuidadosa, disse que seu diagnóstico era de transtorno de ansiedade generalizada, mas o colega discordou e pediu a anfetamina. Fiz uma prova terapêutica, e, não só não houve melhora da atenção, como a ansiedade piorou muito. Aí, pude tratar a “desatenção” que, neste caso, era secundária à ansiedade…

É fato que o transtorno pode persistir na vida adulta, e até contribuir com baixa autoestima e dificuldades na vida profissional. “Comer” palavras ao escrever um relatório, cometer erros pela pressa, distrair-se com facilidade, evitar tarefas “chatas” ou “repetitivas” são comuns ao adulto com TDAH. Assim como com as crianças e jovens, é recomendável que o paciente se submeta à Testagem Neuropsicológica quando o diagnóstico clínico assim o indicar.

Acho importante ressaltar que o TDAH não condena qualquer um ao insucesso. Muito pelo contrário. As pessoas portadoras deste diagnóstico podem se destacar nas mais variadas atividades. Diferentemente do que já vi em fontes pouco confiáveis, o tratamento da desatenção não implica, por exemplo, em perda de criatividade.

Outro mito é o de que anfetaminas prescritas para o TDAH possam servir de “doping cognitivo”, aumentando, por exemplo, a atenção de quem presta um concurso. Já foi provado que, para que não tem TDAH, os medicamentos não passam de placebos, não produzindo efeito algum. É como tratar um quadro gripal com antibiótico.

A desatenção, enquanto sintoma, não é exclusiva do TDAH, e o tratamento deste transtorno deve ir além da tomada de medicações, envolvendo aspectos sociais, psicológicos e comportamentais, para que a qualidade de vida seja preservada e/ou restaurada.

Marco Andre Mezzasalma
Médico psiquiatra, doutor em Psiquiatria pelo IPUB-UFRJ e especialista em transtornos de ansiedade
CRM: 66722-6

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