IPq Portas Abertas 2024

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Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo abre suas portas para um dia de informação e combate ao estigma da saúde mental

No último dia 6 de setembro, o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas realizou mais uma edição do IPq Portas Abertas, um evento anual e gratuito que recebe a população para uma série de atividades e palestras sobre transtornos mentais, com o objetivo principal de combater o estigma e o preconceito relacionados à saúde mental.

O Instituto de Psiquiatria faz parte do Complexo do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo e é reconhecido como o maior e mais bem equipado centro de psiquiatria do Brasil. Em colaboração com o Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP, o IPq une ciência e sensibilidade em suas atividades de ensino, pesquisa e assistência.

Mais de 250 profissionais se reuniram para compartilhar conhecimento e discutir uma ampla gama de temas, como ansiedade, depressão, compulsão alimentar, envelhecimento, vício em jogos, entre outros. Pela primeira vez, algumas apresentações presenciais foram transmitidas também online.

Durante o ‘Dia Zen’, visitantes puderam desfrutar de práticas integrativas e complementares em saúde (PICS), como Reiki, Shiatsu e Auriculoterapia. O evento também incluiu estandes com venda de livros, bijuterias e artesanato produzidos nas oficinas de atividades manuais com pacientes, além de ações específicas na área de saúde e a presença de associações como Abre, Abrata e CVV, que ofereceram orientação e informações ao público.

Humanização na Saúde Mental

A humanização no atendimento em saúde mental foi destaque do IPq Portas Abertas. A neuropsicóloga Ilse Vasconcelos, atual coordenadora do Centro de Humanização do Instituto, enfatizou durante sua palestra o papel crucial de relações humanizadas no ambiente hospitalar.

“A humanização é sobre termos um olhar cuidadoso e individualizado para o próximo, criando o melhor ambiente de trabalho possível e garantindo um atendimento que respeite e acolha o paciente em sua totalidade. Não se trata de sentir pena, mas sim de reconhecer a vulnerabilidade emocional daqueles que estão precisando da nossa ajuda especializada e oferecer um acolhimento caloroso”.

A neuropsicóloga Ilse Vasconcelos durante palestra inspiradora sobre Humanização na Saúde Mental
(Foto: Divulgação IPq)

O Centro de Humanização do IPq, composto por uma equipe multiprofissional de 15 pessoas, recebeu em 2023 o Selo de Humanização nível dois do Núcleo Técnico de Humanização do Hospital das Clínicas, um reconhecimento ao compromisso da instituição promover o respeito nas relações interpessoais.
A coordenadora destacou o treinamento oferecido inclusive aos prestadores terceirizados que atuam na recepção do Instituto: “Esses colaboradores fazem o primeiro contato com nossos pacientes, portanto é muito importante que estejam preparados para recebê-los da melhor forma possível”.

Ilse também enfatizou o apoio integral da Alta Direção do Instituto, que acompanha e incentiva o trabalho da equipe. “No IPq, nossa abordagem vai além da prática médica. Estamos constantemente discutindo novas formas de melhorar nossos serviços e garantir que cada profissional envolvido esteja diretamente alinhado com os objetivos de tratamento dos nossos pacientes. A somatória de esforços, de conhecimento técnicos e de discussão de casos, entre o que fazemos e como fazemos melhor uns pelos outros, acredito que seja o diferencial que eleva tanto o nome do nosso Instituto de Psiquiatria, um time que tenho muito orgulho de fazer parte há 36 anos”.

“Abrir as portas do Instituto de Psiquiatria para a comunidade, como fazemos no IPq Portas Abertas, é uma demonstração clara do nosso compromisso com a qualidade, ética e profissionalismo”. (Ilse Vasconcelos, neuropsicóloga, coordenadora do Centro de Humanização do IPq)

Brinquedoteca Terapêutica

A Dra. Marisol Montero Sendin, médica psicanalista e coordenadora da Brinquedoteca Terapêutica do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do IPq, apresentou aos visitantes o espaço dedicado ao bem-estar emocional e psicológico de crianças, adolescentes e famílias que frequentam o instituto.

Com atividades terapêuticas conduzidas por uma equipe multidisciplinar composta por médicos, psicólogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, fonoaudiólogos e psicopedagogos, o espaço promove a estabilização psíquica, a expressão emocional e a melhoria das relações interpessoais dos pacientes e seus familiares.

As Terapias Assistidas por Cães (TAC), por exemplo, são realizadas com cães especialmente treinados pelo projeto Equipe TAC, adaptados para atender às necessidades específicas de crianças com transtornos como déficit de atenção e espectro autista (TEA). A interação entre as crianças e os animais não apenas alivia a ansiedade, mas também facilita a comunicação e a socialização. A pediatra destaca que os resultados positivos observados têm sido fundamentais para o desenvolvimento terapêutico desses jovens pacientes.


Em parceria com a Associação Viva e Deixe Viver, a Brinquedoteca também promove a Contação de Histórias, oferecendo momentos de alegria e conforto aos pacientes durante a internação. Voluntários capacitados participam ativamente desse projeto, transformando esse período desafiador em uma experiência mais acolhedora e terapêutica.

Manejo Parental

Encerrando sua apresentação no IPq Portas Abertas, Dra. Marisol abordou o manejo parental como uma estratégia essencial para fortalecer os vínculos familiares e melhorar o entendimento das necessidades comportamentais e emocionais das crianças. A terapia filial, parte integrante desse manejo, envolve sessões de atividades entre pais e filhos, oferecendo suporte e orientação para lidar com uma variedade de desafios.

“Muitos chegam pensando que não há mais solução, tanto os pais quanto as crianças. No entanto, com nosso acolhimento e orientações, eles começam a reconhecer e aceitar as ferramentas que oferecemos, e algumas vezes até brincam dizendo que gostariam de vir para a terapia todos os dias, o dia todo”, comemora.

A negligência parental também foi discutida como um fator preocupante que pode impactar profundamente o desenvolvimento emocional das crianças, resultando em quadros como depressão, ansiedade, psicose e comportamentos desafiadores. A médica afirma ser crucial que os pais estejam presentes não apenas fisicamente, mas emocionalmente na vida de seus filhos, proporcionando um ambiente de amor e cuidado essenciais para um desenvolvimento saudável.

“Algo que adoece muito as crianças é a negligência. E negligência, ao contrário do que muitos pensam, não é apenas o abandono nas ruas, mas a ausência dos pais no convívio com os filhos. Esses pais não acompanham o crescimento, não são referência para seus filhos. É importante lembrar que crianças também são negligenciadas em condomínios de luxo, ao serem deixadas com uma babá 24 horas por dia”, alerta.


Violência Doméstica e Consequências na Saúde Mental

A violência doméstica é um problema social grave que pode deixar marcas profundas na saúde mental, tanto das vítimas quanto de seus familiares. Em uma palestra lotada, a psicóloga Miryam Mazieiro destacou diversas formas de violência enfrentadas por mulheres, dentre elas a violência psicológica, física e sexual.

Miryam enfatizou que o convívio prolongado com a violência pode ser um fator disparador de uma série de transtornos mentais, como depressão, crises de ansiedade, pânico e estresse pós-traumático. As vítimas frequentemente desenvolvem ainda sintomas como dores crônicas, insônia ou pesadelos, que comprometem significativamente sua qualidade de vida.

Um aspecto preocupante discutido foi a persistência de muitas mulheres em permanecer nesses relacionamentos violentos, frequentemente motivadas por uma complexa interseção de questões culturais, falta de informação e dependência financeira. Muitas dessas mulheres têm esperança de que o comportamento do agressor mude, mas a violência só tende a se intensificar gradualmente.

Além de discutir a violência doméstica, a palestra abordou o assédio no ambiente de trabalho. “Vivemos em uma cultura machista, onde um ‘não’ de uma mulher pode ser interpretado pelo homem como um charme, entendendo que ela deseja uma maior investida. Há também a percepção errônea de que tocar numa mulher não é problema”. Miryam também ressaltou a relação existente entre violência e transtornos mentais: “Mulheres com sintomas depressivos têm maior propensão a serem vítimas de violência. O agressor muitas vezes escolhe vítimas que estão emocionalmente fragilizadas. Complementaridade, como chamamos na psicologia”.

A complementaridade na psicologia, especialmente no contexto da violência doméstica, refere-se à interação disfuncional onde os comportamentos de um indivíduo reforçam os do outro, muitas vezes perpetuando um ciclo de abuso e submissão. Esse padrão inclui agressões e humilhações que abalam a autoestima e a capacidade de reação das vítimas.

Diante desse cenário, Miryam ressaltou a importância da psicoterapia como um suporte fundamental para ajudar as mulheres a enfrentarem e superarem essas situações traumáticas. O acolhimento psicológico não apenas proporciona alívio emocional, mas também oferece um espaço seguro para reflexões positivas e possibilita melhorias na autoimagem .

Karen Terahata, jornalista e fundadora do Sem Transtorno, em visita ao IPq Portas Abertas 2024

Com mais um IPq Portas Abertas, o Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas de São Paulo reafirma seu compromisso com a educação pública e a disseminação de conhecimento qualificado sobre saúde mental, consolidando-se como referência no tratamento integrado e humanizado dos transtornos mentais.

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