“Me indicaram procurar um psiquiatra, mas não tenho a menor ideia do que esperar… Como será que é uma consulta?“
Esta é uma dúvida super comum com a qual me deparo em consultas de primeira vez, um completo desconhecimento – e, por vezes, temor – sobre qual seja o cotidiano em uma consulta psiquiátrica. Por isto, e para mostrar que está longe de se tratar de um “bicho de sete cabeças”, decidi escrever este artigo.
Pacientes me procuram encaminhados por um psicólogo ou psicanalista, por outro médico ou, em muitos casos, por um outro paciente. Como em qualquer consulta médica, a primeira consulta é dedicada à chamada anamnese – do grego ana “trazer de novo” e mnesis, “memória”. Por meio dela, busco resgatar o histórico daquilo que aflige o paciente.
Os dois pontos mais importantes nesta anamnese são a queixa principal e a história da doença atual. Na faculdade, aprendemos que, para encontrar a queixa principal, devemos “usar” as palavras do paciente: “Por que veio me procurar? Como posso te ajudar”. A escuta ativa é fundamental no processo.
E nem sempre a queixa principal coincide com a história atual da doença. Recentemente, recebi uma paciente dizendo sofrer de pânico, mas, a partir das perguntas e respostas, percebi que, na realidade, o paciente descreveu sentir pânico por conta do medo de ser internado ou morto por seu irmão por conta de “sua herança” – ou a chamada ideação paranóica, um delírio persecutório.
Me baseio na queixa que o paciente traz para indagar o que sente, entender os sinais do problema. Faço perguntas que direcionam meu raciocínio rumo a um diagnóstico do problema, e normalmente peço exames complementares que dêem subsídios à hipótese que estiver levantando ou constatem que não se trata daquilo.
Se um paciente traz uma demanda por parar de tomar determinados medicamentos, me cabe entender o quadro maior – perguntas como:
- “há quanto tempo usa este medicamento?”
- “por que começou a fazê-lo?”
- “o que acontece quando não toma”
… para levantar sinais e sintomas que ajudem a fechar diagnóstico e, juntamente com os resultados dos exames complementares, traçar uma hipótese diagnóstica e também a linha inicial de tratamento.
Juntamente com a queixa principal, a história da doença atual ajuda a ter uma ideia mais clara sobre o que traz incômodo ao paciente. É importante entender o que desencadeia os sintomas, como evoluem, pioram…
É importante ter em mente que, como qualquer outra especialidade médica, a Psiquiatria está longe de ser uma ciência exata. De que adianta saber que 95% dos pacientes respondem bem a determinado medicamento se o paciente que estou atendendo não teve melhora em seu quadro? Medicina é transformar a ciência em arte e a arte, em ciência – aplicamos no indivíduo aquilo que aprendemos na literatura médica.
Certa vez, recebi uma paciente que fazia psicanálise há dez anos e se queixava de um quadro depressivo. Perguntei quando fizera os últimos exames laboratoriais, e ela nem se lembrava. Pedi que fizesse uma avaliação laboratorial e, no resultado, vi que ela sofria de hipotireoidismo. Encaminhada a um endocrinologista, começou a fazer a reposição de hormônio tireoideano e… acabou-se a depressão.
Acho que este é um bom exemplo do que falei sobre as ciências exatas – ou não… Por vezes, é como se tivesse de montar um quebra-cabeça sem a imagem da caixa, com peças faltando e outras de um quebra-cabeça diferente.
Então como qualquer outra especialidade médica, a consulta psiquiátrica consiste em entender o que aflige ao paciente, estabelecer uma relação de confiança e terapêutica, a chamada relação médico-paciente, elaborar hipóteses diagnósticas principais e diferenciais, solicitar exames complementares e traçar uma conduta terapêutica para poder começar a tratar o paciente.
Marco Andre Mezzasalma
Médico psiquiatra, doutor em Psiquiatria pelo IPUB-UFRJ e especialista em transtornos de ansiedade
CRM: 66722-6