Coluna “Dois Cafés e a Conta” – Revista O Globo

STT na mídia

Entrevista com Karen Terahata na coluna ‘Dois Cafés e a Conta’ do jornalista Mauro Ventura, no Jornal O Globo. Matéria publicada em 11 de janeiro de 2015.

“Os transtornos mentais ainda causam muito estigma, e tem gente que prefere esconder a doença. Não é o caso da jornalista Karen Terahata. Não só ela assume publicamente o transtorno de ansiedade generalizado, a síndrome do pânico, a depressão e o déficit de atenção como faz todo um importantíssimo trabalho para minimizar o problema de outras pessoas em igual situação, seja por meio de seu blog Sem Transtorno ou do grupo de apoio que coordena – além disso está escrevendo livro e planeja um seminário e um documentário sobre o tema.

A primeira crise de Karen veio em 1997. Achou que ia morrer. Desde então teve crises na rua, na praia, em shows, em bares, em carros, em salas de aula, entre tantos outros lugares. Mas uma combinação de remédios com terapia (psiquiatra e psicóloga) fez com que os transtornos ficassem sob controle. O diagnóstico foi um susto para a bem-humorada e brincalhona Karen.

– Sempre fui muito leve, nunca imaginei que pudesse ter um problema de origem nervosa.

Os transtornos viraram sua vida do avesso. Não conseguia ir à faculdade, a shows, ao cinema ou ver TV.

– Não precisava nem ser algo violento. Às vezes uma besteira, como um comercial de margarina, pode desencadear uma crise de pânico.

Karen diz que é preciso uma soma de esforços para combater a doença: terapia, remédios, atividade física, cuidar da saúde, técnicas de relaxamento, respiração, lazer, boa alimentação e fé, para quem acredita. Não se trata, portanto, de uma questão de falta de fé, como muita gente pensa.- Você nasce com essa predisposição.

Karen não concorda com a vilanização da medicação.

– Tem gente que diz: “Relaxa, vai distrair sua mente.” Tudo bem, mas no início, na crise, você está tão descompensado que às vezes precisa entrar no remédio. Claro que só devem ser usados com indicação e acompanhamento médico. Como diz Rosanna Mannarino, que foi psicóloga de Karen e é consultora do blog, “percebe-se que quando o paciente tem dificuldade em aceitar a medicação ele tem dificuldade para evoluir no tratamento”.


Um problema para os pacientes é que o tratamento é caro. Karen se preocupa com os que não podem pagar e pediu ajuda a uma amiga, que trabalha numa UPA, para mapear como é o funcionamento na unidade de saúde. E também quer identificar como é em outros hospitais públicos, para poder ver como contribuir para a melhora do atendimento.

– Demora muito para conseguir uma consulta na rede pública. E aí quando consegue, o psiquiatra vai prescrever um calmante, que é mais barato que um antidepressivo.

Ela foi por cinco anos tecladista e backing vocal da banda de reggae Tafari Roots – chegaram a tocar no Rock in Rio em 2001.

– Foi incrível, estava tão feliz que não tive crise – diz ela, contando que o grupo quer gravar seu segundo CD.

Por conta dos transtornos, ela passou dez anos sem viajar de avião.

– Meu problema maior não era voar, e sim o medo de ficar fechada, presa, querer sair e não poder. Então, ia de ônibus para São Paulo, onde mora minha família, ou outras cidades como Florianópolis. Eu dizia: “Ah, prefiro ônibus.” Meu filho Pedro achava muito chato passar tanto tempo dentro do carro. Haja DVD, gibi e videogame para entretê-lo durante 8, 10, 15 horas. Até que ano retrasado foi com o marido e o filho para a Disney, após se preparar por quase um ano para conseguir viajar. Agora ela quer ir ao Japão, terra de sua mãe. Em 1997, ia com uma amiga passar no mínimo um ano, mas por causa dos transtornos teve que cancelar a viagem.

– Minha amiga ficou muito chateada, disse “que frescura”, mas anos depois entendeu – diz ela, que na coluna Dois Cafés e a Conta fala dos transtornos.

REVISTA O GLOBO: O que você tem?

KAREN TERAHATA: Tenho transtorno do pânico, ansiedade generalizada e déficit de atenção. E a maioria dos portadores de ansiedade tem também depressão associada, como eu, porque sua vida é virada do avesso. A autoestima vai para o lixo. Você começa a duvidar de sua capacidade, de sua sanidade. Se sente insegura, frágil, vulnerável. Eu tomava banho com minha mãe do lado de fora do box. Como não dá para saber o que deflagra a crise, você vive em estado de alerta. Se sua mãe vai levar seu filho ao shopping, você imagina milhares de tragédias. É incontrolável. Se alguém diz que tem uma doença, você fica sem dormir achando que vai ter também. Como eu não viajava de avião, perdia oportunidades de trabalho. Não ia ao cinema e a shows, não lia jornais ou via noticiários. Larguei várias vezes a faculdade porque dependia de alguém para sair de casa e porque passava mal nas aulas.

Por que você criou o grupo de apoio? Há outros projetos?

Não havia nada parecido no Rio. As pessoas chegam a primeira vez desconfiadas, resistentes, tensas. Aos poucos, se sentem compreendidas ao encontrarem seu pares, ficam mais seguras, gratas e aliviadas. A fisionomia muda. Tem gente que vem até de Petrópolis, Niterói, Bangu, Campo Grande. Comecei há pouco a escrever, com a jornalista Gisele Netto, um livro que conta minha experiência com o pânico. Farei ainda um seminário e um documentário, que vai mostrar o que não vi até hoje na TV: o outro lado, histórias de pessoas felizes, produtivas, que superaram o pânico.

Ainda há muita discriminação com quem tem pânico?

Sim. Você escuta “ah, é tarja preta”, “maluquinha”, “frescura”, “bobagem”, “relaxa, bebe alguma coisa”, “falta do que fazer”, “tem que ter fé”. O padre Marcelo Rossi prestou um desserviço ao dizer que curou sua depressão só com fé. As pessoas têm muito preconceito com medicação, eu mesma resisti a tomar, por medo de ficar dependente, mas graças a ela e à terapia tive minha vida de volta. Há quem resista a procurar psiquiatra por achar que cuida de louco, e não da mente. Em geral os pacientes correm atrás de tratamento sozinhos, as pessoas próximas não compreendem ou não estão dispostas a ajudar. No nosso grupo, há mulheres que vão escondidas dos maridos. Uma, quando passa mal, ouve: “Ai, que saco, lá vem você de novo com isso, vira pro lado e dorme.” E os homens são mais resistentes, ao receber o diagnóstico e a indicação de ir ao psiquiatra param por aí. Das mais de 60 pessoas que já passaram por nosso grupo apenas 15 eram homens.

Como está sua vida hoje?

A doença está controlada. A última crise foi em 2011. Estava no carro com meu marido e fiquei muito pálida, não conseguia falar. Passei dez anos sem viajar de avião, até que em 2013 fomos à Disney. Me preparei por um ano na terapia, e quando viajei estava muito segura, medicada. Hoje tenho uma qualidade de vida que não tinha. Há dias a mãe de um amiguinho de meu filho Pedro (de 8 anos) deixou que seu filho passasse o dia lá em casa. É algo trivial para os outros, mas significa muito para mim ela ter confiado em deixar o filho comigo.”

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